ASSOCIAÇÃO CASAPIANA DE SOLIDARIEDADE
Newsletter nº9 - Outubro 2024
Vozes do Tempo
Envelhecer
“Envelhecer é o único meio de viver muito tempo.
A idade madura é aquela na qual ainda se é jovem, porém com muito mais esforço.
O que mais me atormenta em relação às tolices da minha juventude não é havê-las cometido… e sim não poder voltar a cometê-las.
Envelhecer é passar da paixão para a compaixão.
Muitas pessoas não chegam aos oitenta porque perdem muito tempo a tentar ficar nos quarenta.
Aos vinte reina o desejo, aos trinta reina a razão, aos quarenta o juízo.
O que não é belo aos vinte, forte aos trinta, rico aos quarenta, nem sábio aos cinquenta, nunca será nem belo, nem forte, nem rico, nem sábio…
Quando se passa dos sessenta, são poucas as coisas que nos parecem absurdas.
Os jovens pensam que os velhos são tolos; os velhos sabem que os jovens o são.
A maturidade do homem é voltar a encontrar a serenidade como aquela que se usufruía quando se era menino.
Nada passa mais depressa que os anos.
Quando era jovem dizia:
“Verás quanto tiveres cinquenta anos”.
Tenho cinquenta anos e não estou a ver nada.
Nos olhos dos jovens arde a chamada, nos olhos dos velhos brilha a luz.
A iniciativa da juventude vale tanto a experiência dos velhos.
Há sempre um menino em todos os homens,
A cada idade cai-lhe bem uma conduta diferente.
Os jovens andam em grupo, os adultos em pares e os velhos andam sós.
Feliz é quem foi jovem na sua juventude e feliz quem foi sábio na sua velhice.
Todos desejamos chegar à velhice e todos negamos ter chegado.
Não entendo isso dos anos: que, todavia, é bom vivê-los, mas não os ter.”
Albert Camus
É bom envelhecer!
Não considero que o envelhecimento seja necessariamente negativo. Conforme
avançamos no ciclo da vida e se o corpo corresponder, a nossa memória estará repleta de acontecimentos positivos e negativos que vivemos. No meu caso, felizmente, não só as memórias recentes, como as mais antigas, estão vivas na minha cabeça. Lembro-me perfeitamente das casas em Luanda onde nasci e vivi até aos 8 anos, há mais de 70 anos, antes de vir de barco para Lisboa. Lembro-me da festa quando da passagem do Equador e da restante família que veio comigo, bem como da empregada com quem mantive amizade e contacto até muito tarde.
Lembro-me da avó, em casa de quem ficámos 1 ano a viver quando chegámos e que não me deixava brincar. Ainda hoje digo que não gostava dela. Lembro-me de vir, sozinho, de comboio de Carcavelos e de autocarro para o Arco Cego para a escola na quarta classe.
Lembro-me das casas em que vivi, em Carcavelos, perto do Campo Grande e da última casa dos meus pais, onde vivi a minha adolescência e que tive de desmanchar depois da morte deles. Lembro-me de um namoro de 7 anos que acabou de repente, da 1ª companheira com quem ainda tenho contactos esporádicos, da 2ª de quem felizmente não sei nada e da 3ª com quem partilho a vida há mais de 40 anos numa relação de afetos e apoio mútuo no que já vivemos juntos.
Lembro-me de… Quando digo: “É bom envelhecer!” é porque mesmo as memórias tristes como a morte de alguém ou uma desilusão com alguém ou alguma coisa podem tornar-nos mais fortes porque apesar de nunca as esquecermos escondemo-las por detrás das muitas coisas boas que nos foram acontecendo desde que nascemos.
Rui Morais e Castro
Sabedoria intemporal
Em conversa com uma pessoa conhecida, comentei que sou Psicóloga Júnior numa Instituição com idosos. Prontamente, e com paixão no olhar, responde-me “a Inês não cuida de pessoas com 80 anos. Cuida dos 80 anos de uma pessoa.” Nunca tinha refletido nesta perspetiva. De facto, a sociedade impõe e conduz-nos a crer que ser idoso representa a última etapa da vida, que já nada mais há a aprender, a fazer. A presente newsletter demonstra, precisamente o contrário e ouvir os idosos da Associação Casapiana de Solidariedade é o mote certo para o título da mesma: “Vozes do tempo”
São estes que nos transmitem a sabedoria, o conhecimento. São “armazénsde histórias.” (C.C- Residente ACS), o rosto dos tempos que já não regressam, a idadena qual “vem o conhecimento, a aceitação.” (A.L- Residente ACS).
O processo de envelhecimento diz respeito às alterações que acontecem, no decorrer do tempo, que resultam na progressiva perda da capacidade das células para se regenerarem, provocando o declínio gradual das funções fisiológicas e imunológicas, alterando toda a composição do Corpo Humano (Kirkwood, 2005; López-Otín et al., 2013). Diz respeito ao “percurso natural e esperado de todos nós.” (A.L- Residente ACS). “Os cabelos enfraquecem, as rugas no rosto, as alterações do corpo, a irritabilidade de fazer o que antes era tão fácil… as dores que nos atormentam e temos que recorrer aos analgésicos… enfim, tudo isto faz parte da nossa última etapa.” (M.I.G- Residente ACS) e, em grande parte da população, poderá ocorrer um declínio cognitivo (Yankner, et al., 2008), isto é, alterações nos diversos domínios, como a atenção, a memória e a velocidade de processamento. (Park & Reuter-Lorenz, 2009;
Salthouse, 2010).
A acrescentar a todas estas modificações, poderá, ainda, somar-se a institucionalização do idoso, que representa um enorme desafio, dadas as transformações que implica (Vitorino et al., 2013), “deixei de ser a pessoa que era.” (C.C- Residente ACS.).
Inês Freitas, Psicóloga Júnior
Referências Bibliográficas:
Kirkwood T. B. (2005). Understanding the odd science of aging. Cell, 120(4), 437–447.
https://doi.org/10.1016/j.cell.2005.01.027
López-Otín, C., Blasco, M. A., Partridge, L., Serrano, M., & Kroemer, G. (2013). The hallmarks of aging. Cell, 153(6), 1194-1217. doi: 10.1016/j.cell.2013.05.039
Park, D. C., & Reuter-Lorenz, P. (2009). The adaptive brain: Aging and neurocognitive scaffolding. Annual Review of Psychology, 60, 173-196. doi: 10.1146/annurev.psych.59.103006.093656
Salthouse, T. A. (2010). Selective review of cognitive aging. Journal of the International Neuropsychological Society, 16(5), 754-760. doi: 10.1017/S1355617710000706
Vitorino, L. M., Paskulin, L. M., & Vianna, L. A. (2013). Quality of life of seniors living in the community and in Long Term Care Facilities: A Comparative Study. Revista LatinoAmericana de Enfermagem, 21, 3–11. https://doi.org/10.1590/s0104-11692013000700002
Yankner, B. A., Lu, T., & Loerch, P. (2008). The aging brain. Annual Review of Pathology: Mechanisms of Disease, 3(1), 41–66.
https://doi.org/10.1146/annurev.pathmechdis.2.010506.092044
Entre o Silêncio e a Solidão
Sabemos, de acordo com os mais recentes Censos, que mais de um milhão de pessoas vive sozinha em Portugal. E que parte deste milhão viverá num cenário de solidão? De acordo com a literatura, a solidão define-se como “um conjunto complexo de sentimentos que abrangem reações à ausência de necessidades íntimas e sociais” (Ernst & Cacioppo, 1999), tendo um impacto negativo significativo ao nível da saúde física e psicológica (Crewdson, 2016). Qualquer pessoa, independentemente da faixa etária, se pode sentir sozinha: tanto um bebé que se sente desamparado por não ter as suas necessidades satisfeitas, como um idoso que vê a sua rede de pares a ficar cada vez mais reduzida. Um estudo de Zebhauser e colegas (2014) demonstrou que a solidão tem um impacto negativo semelhante em homens e mulheres com mais de 65 anos, apesar de as mulheres apresentarem mais fatores de risco. Contudo, foi descoberto que o impacto na saúde mental é maior nos homens, uma vez que terão mais dificuldade em estabelecer relações íntimas de qualidade (Borys & Perlman, 1985). Enquanto psicóloga, pude presenciar a solidão de idosos que moram sozinhos. Estão, muitos deles, confinados a quintos andares sem elevador, com a sua mobilidade reduzida, dependentes de terceiros para as mais pequenas coisas tão simples quanto ir comprar pão. A solidão dói e mata, lentamente. Ainda para mais numa fase em que vemos as pessoas que sempre conhecemos a partir. É necessário adotar políticas públicas de proteção à população idosa, para que a escolha entre envelhecer numa instituição ou em casa seja consciente e voluntária. O combate à solidão é urgente,
pelos idosos de hoje e de amanhã, e para podermos envelhecer de uma forma tranquila. Não para dar mais anos de vida, mas para dar mais vida aos anos que nos restam.
Beatriz Roque, Psicóloga Social e das Organizações
Referências Bibliográficas:
Borys, S., & Perlman, D. (1985). Gender differences in loneliness. Personality and Social Psychology Bulletin, 11(1), 63-74.
Crewdson, J. A. (2016). The effect of loneliness in the elderly population: a review. Healthy Aging & Clinical Care in the Elderly, 8, 1.
Ernst, J. M., & Cacioppo, J. T. (1999). Lonely hearts: Psychological perspectives on loneliness. Applied and preventive psychology, 8(1), 1-22.
Zebhauser, A.; Hofmann-Xu, L.; Baumert, J.; Häfner, S.; Lacruz, M. E.; Emeny, R. T.; Döring, A.; Grill, E.; Huber, D.; Peters, A.; Ladwig, K. H. (2014). How much does it hurt to be lonely? Mental and physical differences between older men and women in the KORA-Age Study. International Journal of Geriatric Psychiatry, 29(3), 245–252. doi:10.1002/gps.3998
Dissertação de Mestrado “Ontem, hoje e amanhã: Perspetivas temporais e bem-estar
em idosos institucionalizados.” De Madalena Elvas Pinheiro
Madalena Elvas Pinheiro finalizou o Mestrado em Psicologia Clínica e da Saúde, com área de especialização em Psicologia Clínica Cognitivo-Comportamental Integrativa com a apresentação da sua Dissertação “Ontem,
hoje e amanhã: Perspetivas temporais e bem-estar em idosos institucionalizados “. A sua tese teve como objetivo “desvendar as complexidades do bem-estar subjetivo dos idosos institucionalizados”.
Deste modo,” foram recolhidas informações relativas às suas experiências dentro das estruturas residenciais, perspetivas temporais e narrativas associadas, assim como a satisfação com a vida.”.” Participaram no estudo cinco idosos institucionalizados, com idades entre os 65 e 89 anos. Os dados foram recolhidos através de entrevistas semiestruturadas, realizadas em dois momentos distintos, com o intuito de averiguar a estabilidade temporal dos indicadores. As respostas e temas identificados mostram que a participação em atividades, tais como passeios, contacto com a natureza, e cultivo de relações sociais positivas são importantes para o bem-estar subjetivo dos idosos. Também importantes são atividades espirituais e de convivência intergeracionais. O estudo das perspetivas temporais indicou uma predominância de foco no passado, estando este maioritariamente associado a memórias positivas, e ênfase limitado nas perspetivas temporais futuras. Relembrar e relatar narrativas felizes do passado pareceu trazer bem-estar aos participantes. Por último, verificou-se alguma estabilidade nestes fatores, incluindo na satisfação com a vida, sendo observada uma ligeira melhoria nas segundas entrevistas. “
Ainda que os resultados não estejam totalmente apresentados, por se tratar de uma dissertação de mestrado, “esta investigação enfatiza a necessidade de dar voz aos indivíduos integrados em cuidados geriátricos, de forma a procurar continuar a elevar o padrão de conforto e qualidade de vida dos idosos nas fases finais da sua vida.”, constituindo-se como um dos aspetos mais importantes na construção da presente newsletter.
(As informações citadas foram retiradas do documento oficial)
Madalena Elvas Pinheiro, Psicóloga Júnior